Eleições 2008: “a grande invasão indígena”

 

Um dos componentes importantes das eleições 2008 em Dourados foi a discussão em torno da demarcação das terras indígenas no Brasil e, de forma especial em Mato Grosso do Sul. A FUNAI baixou portarias para iniciar as demarcações de forma intempestiva, sem esclarecer exatamente no que implicavam, ou seja, quais seriam as dimensões desse ato.

Candidatos de direita ou seus lugar-tenentes transformaram essas portarias em armas poderosas e, de uma maneira subliminar, conseguiram tirar uma incontável soma de votos da “Coligação Dourados Cada Vez Melhor”, única coligação de esquerda que concorreu ao pleito em Dourados.

Nossos adversários foram de uma competência assustadora. Usamos aqui competência no sentido de capacidade para competir e assustadora no sentido de que nós percebemos claramente os efeitos devastadores desse estratagema durante a campanha, quer dizer, mesmo antes do resultado das eleições.

Vamos aos fatos. Em 1987 o Brasil assinou acordo internacional para demarcar as terras indígenas em território nacional. Em 1988 esse acordo foi transposto para a nossa Constituição. Em 1998, logo após uma participação de Ruthy Cardoso em reunião da ONU (Organização das Nações Unidas), o então presidente Fernando Henrique determinou as demarcações.

Isso tudo não passou de letra morta, coisa para inglês ver, como se diria na época das campanhas abolicionistas em que eram aprovadas leis e mais leis que não saiam do papel.

Nos quase seis anos de governo Lula as coisas não foram muito diferentes e cremos que somente em virtude de pressões internacionais é que agora, em 2008, recrudesceram as iniciativas para a demarcação das terras e a FUNAI baixou as ditas portarias.

Foi como fogo em rastilho. Empresários rurais, pequenos sitiantes, produtores rurais de todas as categorias ficaram verdadeiramente assustados com a possibilidade de perderem as suas terras. Cerealistas, comerciantes, profissionais liberais, além, evidentemente de políticos de direita e do próprio governador do estado, arvoraram-se na defesa da propriedade. Em todas as reuniões políticas que fazíamos, inclusive em instituições tradicionais como OAB, Sindicato Rural, ACED, Rotarys, Lojas Maçônicas, a pergunta era inevitável: “qual a nossa posição em relação à demarcação das terras indígenas?”

A demarcação é uma necessidade, respondíamos, mas não é nada do que se está dizendo, nem 3 milhões e muito menos 10 milhões de hectares serão demarcados. O que está acontecendo é ato de terrorismo psicológico, os responsáveis pela disseminação dessas idéias deveriam estar detrás das grades.

Não adiantavam argumentos. O medo se disseminara. As pessoas passaram a acreditar de fato que Mato Grosso do Sul passaria a ser uma terra de índios. O município de Dourados seria extremamente prejudicado. E nós não conseguíamos convencer as pessoas de que os próprios índios entendiam que os seus tekohas (terras ancestrais), eram poucos  em Dourados (sabemos de dois).

Temos que dar razão, mais uma vez, a Cornelius Castoriades, por nos ensinar que a “classe dominante não consegue mistificar as demais sem mistificar-se a si própria”. A crença de que haveria uma grande invasão indígena passou a ser uma verdade.

Tem gente pretendendo matar o carrapato e está matando a vaca, dizíamos nós em linguagem bem conhecida no meio rural para nos fazermos entender.

Agora passadas as eleições, desapareceu a “ameaça” da “grande invasão indígena”, da mesma forma como também sumiu o “perigo” iminente de Dourados ser ultrapassada por outras cidades do estado. Desapareceu o “perigo” porque nunca existiu, essa é a verdade.  No entanto os efeitos do ardil utilizado precisam ser estudados e não obstante ser essa uma tarefa mais afeta aos psicanalistas e  cientistas sociais, permitam-nos meter a nossa colher nesse angu.

Entendemos que a ação em torno de uma questão fundiária acabou tomando dimensões incomensuráreis, mexendo com o imaginário social de nossa gente, entrando no inconsciente coletivo da população, como se dizia, com grande prejuízo, mais uma vez, aos nossos irmãos índios.

Dourados é terra de todos os povos. Aqui convivemos com respeito às nossas respectivas culturas, alemães, espanhóis, italianos, japoneses, libaneses, paraguaios, portugueses, sírios, sem contar representantes numericamente menores de outras nacionalidades. Nossa cidade é uma terra de migrantes, se não migramos nós, migraram os nossos ancestrais. Gaúchos, catarinenses, paranaenses, paulistas, nordestinos de todos os estados para cá vieram, se estabeleceram, convivem harmoniosamente, comungando ideais de desenvolvimento e de solidariedade.

No entanto, os índios foram confinados, encarcerados em uma reserva, foram humilhados, ultrajados, violentados em sua cultura e durante a campanha, de certa forma, responsabilizados previamente por eventual insucesso no desenvolvimento de Mato Grosso do Sul.

Os índios, da mesma forma que os europeus, os africanos e os asiáticos, são nossos irmãos, pertencem à mesma raça humana, portanto não podem ser discriminados, não podem ser vítimas de preconceito, sob pena de incorrermos em uma irresponsabilidade, injustificável por qualquer processo eleitoral que seja.

Temos em relação aos índios (mas também em relação aos negros) uma enorme dívida social. Precisamos pagá-la com urgência. E não será com um pedacinho de terra, mas, como dissemos ao longo de nossa campanha política, abrindo-lhes espaços para que possam estudar, trabalhar, avançar em desenvolvimento, partilhar com as demais etnias a sua rica cultura.

 

suas críticas serão bem vindas: biasotto@biasotto.com.br

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